Ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa |
Barbosa acabava de admitir abertamente o que o ministro Luís Roberto
Barroso dizia com certos pudores. A pena para os condenados pelo crime
de formação de quadrilha no julgamento do mensalão foi calculada, por
ele, Barbosa, para evitar a prescrição. Por tabela, disse Barroso, o
artifício matemático fez com que réus que cumpririam pena em regime
semiaberto passassem para o regime fechado.
A assertiva de Barroso não era uma abstração ou um discurso meramente
político. A mesma convicção teve, para citar apenas um, o ministro
Marco Aurélio Mello. Em seu voto, ele reconheceu a existência de uma
quadrilha, mas considerou que as penas eram desproporcionais. E votou
para reduzi-las a patamares que levariam, ao fim e ao cabo, à
prescrição. Algo que Barbosa há muito temia, como se verá a seguir.
Foi essa suposição de Barroso que principiou a saraivada de acusações
e insinuações do presidente do STF contra os demais ministros. Eram
17h33, quando Barroso apenas repetiu o que os advogados falavam desde
2012 e que outros ministros falavam em caráter reservado.
Joaquim Barbosa acompanhava a sessão de pé, reticente ao voto de
Barroso, mas ainda calmo. Ao ouvir a ilação, sentou-se de forma
apressada e puxou para si os microfones que ficam à sua frente. Parecia
que dali viria um desmentido categórico, afinal a acusação que lhe era
feita foi grave.
Mas Joaquim Barbosa não repeliu a acusação. Se o fizesse, de fato,
estaria faltando com a sua verdade, não estaria de acordo com a sua
consciência. Três anos antes, em março de 2011, Joaquim Barbosa estava
de pé em seu gabinete. Não se sentava por conta do problema que ainda
supunha atacar suas costas. Foi saber depois, que suas dores tinham
origem no quadril.
A porta mal abrira e ele iniciava um desabafo. Dizia estar muito
preocupado com o julgamento do mensalão. A instrução criminal, com
depoimentos e coleta de provas e perícias, tinha acabado. E, disse o
ministro, não havia provas contra o principal dos envolvidos, o ministro
José Dirceu. O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
fizera um trabalho deficiente, nas palavras do ministro.
Piorava a situação a passagem do tempo. Disse então o ministro: em
setembro daquele ano, o crime de formação de quadrilha estaria
prescrito. Afinal, transcorreram quatro anos desde o recebimento da
denúncia contra o mensalão, em 2007. Barbosa levava em conta, ao dizer
isso, que a pena de quadrilha não passaria de dois anos. Com a pena
nesse patamar, a prescrição estaria dada. Traçou, naquele dia em seu
gabinete, um cenário catastrófico.
O jornal O Estado de S. Paulo publicou, no dia 26 de março de 2011,
uma matéria que expunha as preocupações que vinham de dentro do Supremo.
O título era: "Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia
processo do mensalão".
Dias depois, o assunto provocava debates na televisão. Novamente,
Joaquim Barbosa, de pé em seu gabinete, pergunta de onde saiu aquela
informação. A pergunta era surpreendente. Afinal, a informação tinha
saído de sua boca. Ele então questiona com certa ironia: "E se eu der
(como pena) 2 anos e 1 semana?".
Barroso não sabia dessa conversa ao atribuir ao tribunal uma manobra
para punir José Dirceu e companhia e manter vivo um dos símbolos do
escândalo: a quadrilha montada no centro do governo Lula para a compra
de apoio político no Congresso Nacional. Barbosa, por sua vez, nunca
admitira o que falava em reserva. Na quarta-feira, para a crítica de
muitos, falou com a sinceridade que lhe é peculiar. Sim, ele calculara
as penas para evitar a prescrição. "Ora!"
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Fonte: O Estado de São Paulo
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