O poeta e cantor Cazuza (1958-1990). Foto: Flavio Colker |
Em uma de suas canções mais conhecidas, Ideologia
(1988), o cantor Cazuza dizia que seus heróis tinham morrido de
overdose. Referia-se a ídolos como Jimi Hendrix, Janis Joplin ou Jim
Morrison, todos mortos precocemente pelo uso excessivo de drogas. “Meus
heróis morreram de overdose” é uma frase muito forte e verdadeira, mas
não para mim. Muitos dos meus “heróis”, pessoas que admirei na vida, que
foram modelos de rebeldia, coragem e inteligência, não morreram de
overdose. Morreram de Aids. E Cazuza foi um deles.
A Aids entrou na minha vida aos 17 anos, no primeiro ano da faculdade
de jornalismo. Era uma época livre, aquela, na Salvador dos anos 1980.
Meninos e meninas provavam beijar-se, muitos garotos experimentavam
pintar os olhos, a boca. Era proibido proibir. De repente veio a Aids e
parou tudo. O Brasil e o mundo retrocederam cem anos em termos sexuais e
morais, porque a Aids não era como o câncer, era uma doença que trazia
consigo o preconceito; quando surgiu, era anunciada pelos conservadores
como um verdadeiro castigo que os céus haviam mandado aos “pecadores”.
Sempre tive muitos amigos homossexuais. Posso dizer, inclusive, que
as pessoas que exerceram maior influência intelectual e artística sobre
mim são gays. Eu os adoro. E logo a Aids contaminaria um destes amigos
queridos, pintor, que morreu, infelizmente, um ou dois anos antes de
surgir o coquetel de remédios que mantém o vírus sob controle. Havia
tanto desconhecimento sobre a doença neste primeiro momento, que as
pessoas tinham medo até de compartilhar talheres e pratos com os
infectados. Imaginem que crueldade.
Com o tempo, se foi vendo e informando as pessoas que a Aids não se
contagia no vento, tampouco pelo beijo ou pelo abraço, mas sim por
relações sexuais sem proteção; pela transfusão de sangue contaminado;
pelo compartilhamento de seringas e agulhas; e durante a gravidez e a
amamentação (o que já é possível reverter). Nada a ver, portanto, com
“pecado”, isso é ignorância pura.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a Aids ainda é um dos
problemas de saúde mais graves em todo o mundo, sobretudo nos países
mais pobres. Existem hoje cerca de 35,3 milhões de pessoas infectadas
com o vírus –3,34 milhões delas, crianças. O HIV continua a ser o agente
infeccioso mais mortífero do planeta: desde que a doença apareceu,
calcula-se que 36 milhões de pessoas tenham morrido em decorrência da
Aids. No ano passado foram 1,6 milhão.
Neste 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, quero homenagear
todas as vítimas desta doença nas figuras destas pessoas especiais.
Alguns dos que aparecem aqui não são homossexuais e foram contaminados
de outras formas que não a sexual. O cartunista Henfil e seu irmão
Betinho, por exemplo, eram hemofílicos e contraíram o HIV em
transfusões. Mas isso não importa. O que importa é que todos eles eram
seres humanos incríveis, gênios que foram levados desta vida, a maioria
absurdamente cedo, por uma doença brutal. Saúdo todos eles e digo que
sinto saudades.
P.S.: Não deixe que a Aids atrapalhe sua liberdade sexual: use camisinha.
(Clicando nos nomes dos meus heróis, você pode ler entrevistas e reportagens que selecionei sobre cada um deles, em texto e em vídeo.)
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